Tuesday, December 18, 2007

(Des)encanto

E fui subindo, subindo, sem medir a altura do tombo. Subi leve. Leve feito pluma. Um vôo breve como o daquela que flutuou no ar por oito segundos. E caí. E foi nessa hora que me faltou a sutileza dela. Só as plumas sabem cair com graça, como quem deita no colo da mulher macia.

Contrassenso

O que é capaz de me fazer mais feliz traz consigo o poder de me causar o maior dos estragos.

Wednesday, November 07, 2007

Letras de macarrão

Ela atravessa a rua de mãos dadas com o maior homem do mundo. Um gigante. Ela senta e ouve histórias. Ela ouve as músicas que ele canta tão bem, ela ri. Ela foge de casa e volta chorando. Ela briga, ela pede desculpas. Ela pede pipoca, ela pede colo, ela pede tudo o que vê pela frente. Ela espera ele voltar de viagem com os braços pedindo abraços e os olhos cuidando a velha mala esperando presente. Ela é a gatinha do papai. E agora que ela cresceu, ela só quer poder atravessar a rua de mãos dadas com o maior homem do mundo pro resto da vida. Fica bem logo, meu amor, meu pai, meu amigo, minha fera.

Sobre olhos e vulcões

e o que já dava por esquecido
estava escondido debaixo das pálpebras quando foi dormir

Sunday, October 21, 2007

O dia em que o bobo virou super-herói

Tímido, ombros estreitos, pequenos olhos, coração fadigado, vestido de um misto de vergonha e medo, seguia a passos curtos o mesmo leste-oeste de anteontem. Naquele dia, avistou a menina despida de um misto de alegria e graça, num espaço grande demais pra ela. O bobo, ainda que sem jeito, vestiu-se de coragem, tirou do bolso gasto um pedaço de papel e com seus traços sutis esboçou uma flor. Uma flor tão frágil quanto as pernas finas da menina. Levantou, primeiro, os olhos, a testa franzida. Estendeu a mão trêmula e molhada. A menina sorriu e, naquele instante, conheceu seu super-herói. Um super-herói sem luzes, sem músculos, sem força, sem poderes. Um super-herói com coração de poeta.

Thursday, September 06, 2007

Para a maior pequenina da via láctea

Ela era tão pequena que me parecia o mesmo tanto frágil. Fui chegando pertinho e mais pertinho a cada dia. Foi aí que descobri que era só um disfarce. Um disfarce pra não assustar, pra que pessoas grandes como eu, se encorajassem a chegar pertinho e mais pertinho a cada dia. Um disfarce pr'aquele tamanho imenso que tinha.

Tuesday, September 04, 2007

Cor-de-rosa e carvão

Não conhecia o lugar, os cheiros, as vozes, as cores - que mal apareciam – em meio àquele dia cinza. Não sabia as mãos, os atalhos, nem as praças. Lá, o vento soprava diferente, como que perdido, sem saber o sentido pra onde ir. Foi quando avistou um velhinho que vendia algodão doce. Uma sensação tão boa, em meio àquele lugar tão frio e distante. Foi ali que descobriu o gosto que tinha a infância. A infância tinha gosto de cor-de-rosa.

Sunday, September 02, 2007

"Quem fala é o doutor..."

- Tô tão feio... Perdi a cor...

- Anemia?

- Saudade...

Monday, June 18, 2007

Posso entrar?

Queria te ver aí, agora, de surpresa, sem me esperar, nem sequer levar os copos sujos pra cozinha. Queria só espiar da janela, ou, se abuso não fosse, pedir um abraço demorado e quatro horas de uma conversa leve, saudosa. Gargalhadas soltas, pés sobre a mesa de centro (ou o baú de tempos atrás – repleto de sonhos adormecidos). Acordá-los. E sairia assim, inesperadamente, deixando apenas um sorriso ao olhar pra trás. Poucos segundos, como quem volta tão logo que nem carece a despedida.

Sunday, June 17, 2007

Sobre a luvinha de nariz

Tem dias de um frio danado que nada faz esquentar. Nem o cobertor xadrez, nem chocolate quente com merengue, tampouco o foguinho da lareira. Então eu abro as velhas gavetas e pego minhas meias coloridas: 1, 2, 3 pares e sigo gelada que dói. A calça fundilhuda de abrigo, o casaco de lã que já fez bolinha, o cachecol listrado, o par de pantufas fofinhas. Nada, nada disso me deixa tão quentinha quanto encostar o narizinho em ti.

Saturday, May 19, 2007

Sobre a lâmpada que sonhava em ser vagalume

- Dorme, lampadinha, dorme...

(ela insiste em acordar na hora em que todos vão dormir... às vezes, fica na rua, desperta até de manhãzinha... dias em que algum dorminhoco dormiu demais e esqueceu de pô-la pra dormir... então fica lá, esperando a hora de sonhar... só assim, no sonho, vira vagalume e voa por aí...)

Monday, April 09, 2007

Sobre o medo

É bom tomar porre, tomar um táxi em dia de chuva, tomar um banho quentinho no inverno e banho de sol no verão. É bom tomar vergonha na cara e bom tomar uma grana – emprestada, é claro – da carteira do pai. É bom tomar remédio quando parece que a cabeça vai explodir e bom tomar um bebê nos braços – e eu sempre choro quando isso acontece. É bom tomar sorvete com o namorado e é bom até tomar mijada da mãe – porque é sinal de que ela tá pertinho. É bom tomar a matéria antes da prova e bom tomar chimarrão com as amigas no jardim de casa. É bom tomar champanhe no reveillon e cafezinho pra não cair no sono. É bom tomar banho de chuva pra virar criança, bom tomar vinho na frente da lareira e bom tomar um montinho de neve nas mãos. É bom tomar sopinha quando a barriga não tá lá muito bem, é bom tomar água, é bom tomar cerveja no boteco depois da aula, é bom tomar juízo – e às vezes perdê-lo também. Mas, mais que tudo, é bom tomar DECISÕES (mesmo que a gente mude depois).

Wednesday, March 14, 2007

Sobre flores e gatos

Talvez não sejam os gatos os únicos a ter 7 vidas. Já morri tantas vezes... Morri numa despedida, numa palavra que foi calada, na distância que me fez esquecida. Morri num abraço, morri numa estrada de volta pra casa. E fiquei ali. Estendida. E ninguém paga o enterro e as flores quando a gente morre de amores. Amor por alguém - e até por mim mesma, por um sonho, por um pedacinho que se desmancha. E, depois de algum tempo, vivo outra vez. Volto a sentir o ar tomando conta dos pulmões, mesmo que sufoque por um tempo. E tenho de voltar a caminhar, voltar a sorrir, voltar a encostar as mãos, voltar a acreditar nos sonhos, voltar a ser leve, deixar de ficar presa ao chão e voar por aí. Enquanto não chega esse tempo, o tempo de viver outra vez, fico ali, sem forças, sem graça, e vou indo embora junto com cada lágrima que cai do meu rosto. Até que, um dia, viro menina outra vez, com todas as incertezas, com toda fragilidade, hostilidade, com todas as dúvidas e medos. E vou crescendo e aprendendo tudo outra vez – e insistindo em não aprender as mesmas coisas de sempre. Insistindo em acreditar na ilusão de que viver é indolor.

Sunday, March 11, 2007

Sobre o querer

Podia querer um bom carro, uma casa na praia e um cachorro que não babasse. Podia querer ser linda, magra e com um cabelo - naturalmente - liso. Podia querer ser poliglota, saber cantar, dançar e tocar piano. Podia querer viajar pra Bruxelas, uma TV de plasma ou virar Diplomata. Podia querer três filhos, escrever um livro ou sair na capa da revista. Podia viver noutro século, ser homem, menino ou pé-de-moleque. Podia querer ser boneca, flor, música ou ate um país (o das maravilhas). Podia querer ser princesa, atriz de cinema, cachoeira ou acreditar no meu Partido. Podia querer viver mil anos, virar anjo, estrela cadente e cair por aqui. Mas, não, agora eu só queria que tudo ficasse bem.

Friday, March 09, 2007

Sobre o vazio

“... mais ridículo ainda, é não escrever cartas de amor” Essa é a capa de um pequeno caderninho - lindo - que ganhei de uma grande amiga. E, ao me entregar o presente, ela pediu que eu escrevesse sobre o assunto. Muito bem, mãos à obra. De uns tempos pra cá, o romantismo ficou fora de moda, os relacionamentos viraram drive thru e as boas (e velhas) declarações de amor tiraram férias. As músicas, as roupas, as idéias, agora cobertas de estupidez e recheadas de um vazio sem tamanho. “Você era a princesa que fiz coroar e era tão linda de se admirar que andava nua pelo meu país” dizia Chico Buarque. “If you wanna be rich You got to be a bitch” diz, hoje, um desses aí que nem sei o nome. Isso, sim, é ridículo. Ridículo é fingir um sorriso feliz, ridículo é não ser autêntico, ridículo é esconder que falhou. Ridículo é ter vergonha de si mesmo, é mentir o tamanho, o peso e as intenções. Ridículo é não ler, não ouvir, não abraçar a mãe e o pai. Ridículo é criar pré-conceitos, é não andar a pé, é não chorar, não dançar, não colocar o pé na areia, não sentir a chuva, e, mais que tudo, ridículo é ter vergonha de dizer que amou.

Tuesday, February 27, 2007

As mentiras que as mulheres contam

Perdi o sono, bati o carro e tô sem grana pro conserto. Tô desempregada, doente, o ventilador quebrou e tá um calor do cão. Não tem água na geladeira, abandonei a Coca-Cola, o aparelho fez ferida, o cachorro não pára de latir e tô com dor de cabeça. Não aguento mais meu cabelo e não confio em cabelereiro. Tenho que acordar cedo, pegar um ônibus e a previsão é de chuva. Engordei, desbotei, tô mal humorada, na TPM e a unha- RECÉM PINTADA - estragou. Não tem chocolate, nada interessante na TV e a lâmpada queimou...




(... ele tá longe)

Sobre cuecas e futebol

“As mulheres casam com Che Guevara e depois pedem pra que ele tire a barba”
Ouvi essa frase inteligentíssima numa entrevista com Maitena, escritora argentina. E, rindo, tive de concordar.
Então, a gente se encanta. Por algum motivo que não se explica, ou porque ele tem um belo sorriso e palavras incomuns no vocabulário, o resto das luzes se apagam e fica uma só acesa: bem em cima dele. E a cada dia algo de novo surpreende e até o que incomoda a gente releva (afinal, não é qualquer um que tem um perfume daqueles). A gente ri com ele, ri dele e ri até sozinha também. E chora. E sente saudade. E fica duas horas esperando ao lado do telefone - só apanhando pó, porque ele foi pro jogo de futebol da semana e não avisou (mas, também, não é nada tão grave assim, basta um abraço - mesmo suado e depois de uma derrota por 12x0 - e a gente já se derrete ). Ele esquece o aniversário de namoro, o aniversário da sogra e até do nosso aniversário (ah, mas eu também já esqueci o aniversário da Tia Lurdes – aquela que mora há 8 anos em Manaus). Tudo passa. Tudo se justifica. Nada tem tanta importância quanto a presença dele.
Até que um dia a gente “cansa”. Fica irritada por quase nada (até porque ele não lembra o nome da nossa Tia – aquela, a Lurdes). Aí começa o perigo.
A gente quer mudar a mania de deixar as cuecas no chão do banheiro – a qual nunca surtiu reclamações - e até a de dormir cedo demais. Quer que ele goste de literatura e que seja mais descontraído. Que não vá ao futebol da semana – o mesmo de 14 anos atrás – para fazer ioga com a gente. Que ele se interesse por Neruda, por moda, por drenagem linfática, que mude o cabelo, que aprenda malabares – e ele nunca foi lá muito habilidoso. A gente resolve brincar de massinha – a de modelar. E passa a querer moldá-lo do nosso jeito – e, de preferência – que caiba na nossa mão.
A gente se apaixona por alguém que chega já pronto – mesmo com os defeitos de fabricação. A gente se adapta? Claro! A gente se esforça? Às vezes. A gente melhora? Tomara! Mas mudar, ninguém muda. E, cá pra nós, ele fica LINDO demais com aquela barba.

Superdosagem

De repente fiquei doente. E doeu. Ah, doeu. Mas mesmo chorando, mesmo querendo tomar um comprimido pra dormir pra sempre, eu tava feliz. Feliz pelos cuidados da mamãe, pela atenção do papai e pelos carinhos do moço do pé engraçado. E tão de repente quanto fiquei doente, curei. Deram-me o mais poderoso dos antídotos contra tudo o que há de ruim: doses imensas de amor.

Wednesday, January 24, 2007

Volta logo

Ela é linda com dor de barriga, ela é linda dormindo e até quando acorda cheia de remela. Ela é linda chorando e mais ainda sorrindo. Ela é linda passeando e linda quando pára diante do espelho. Linda penteando o cabelo e linda fazendo batata frita. Ela é linda nas palavras, nas idéias, nas mãos (sempre quentinhas), nas roupas bagunçadas no armário. Linda nos livros que ficaram na estante, linda nas músicas que gosta de ouvir. Linda na escova de dentes que ficou perdida. Linda de salto alto e linda de pés descalços. Linda quando briga comigo, quando dá gargalhadas e linda quando fica de beicinho. Linda nas fotos que não paro de olhar. Ela é linda quando me faz sentir uma saudade deste tamanho. Simplesmente, linda.

Sobre cenários e silêncios

Quando eu era pequena, bem pequena, tinha uma amiga imaginária. E não importava se eu tava feliz ou triste, sempre corria ao telefone pra falar com ela. Talvez por saber que ela ia concordar com tudo que eu falasse, por saber que eu podia falar o tempo que quisesse, que ela não ia fazer cara feia, nem pediria pra eu ligar depois porque tava no trânsito, fazendo a unha ou assistindo ao programa preferido na TV. Por saber que por mais errada que eu estivesse, ela seria compreensiva. Eu só queria dividir com ela, criar estórias, discutir problemas que eu mal sabia que um dia existiriam de verdade e aí, sim, seria bom brincar de faz-de-conta. Eu podia contar sobre meu dia criando cenários mais coloridos, conversas mais demoradas que um:
“- Oi, td bem?
- Td. E cntg?
- Tb.”
Podia chorar sem me preocupar se iria deixá-la triste ou não. Podia ficar em silêncio, só ouvindo a respiração (mesmo que fosse a minha mesmo). Então eu falava... Falava horas (naquela época ainda não sabia o que era uma conta de telefone).
Perdi minha amiga imaginária. O telefone ficou caro demais. Eu cresci. E agora, percebi que escrever foi a minha nova versão (bem menos criativa, como todo e qualquer adulto) da minha amiga. Novas versões... Sempre prefiro as antigas. Talvez por ser saudosista - mas isso é assunto pra outro dia. Preciso desligar. Boa noite e bons sonhos. Um beijo.

Sunday, January 14, 2007

Sobre o despercebido

Um silêncio. Não havia barulho algum, nem gente passando pra lá ou pra cá. Pela primeira vez seguiu como se fora dona da ruazinha. Só seguiu. Linda e sua. Mas, o sinal fechou e ela não reparou. A formiguinha mal sabia o que vinha dali, mal sabia o que vinha de qualquer lugar. Seguiu, sem medo e sem saber o que encontraria na perpendicular. Seguiu pela ruazinha. A ruazinha que deu fim à formiguinha. Ninguém levou rosas ou margaridas. Ninguém chorou. Ninguém nem sequer parou pra olhar a formiguinha.