Tuesday, November 28, 2006

Sobre gigantes e cataventos

E tem horas em que um medo estranho toma conta de mim, como se eu fosse pequena demais pra suportar o temporal e saísse voando perdida, feito a folhinha que entrou há pouco pela minha janela. Pequena demais pra lutar contra os cataventos (pois nao ousaria enfrentar os moinhos), pequena demais pra convencer o gigante de que eu não vim incomodar, só vim à procura de abrigo. Horas em que uma dor bem pior que machucado no joelho sufoca o peito e nada faz sarar, nem mesmo todos aqueles remedinhos coloridos que a vovó toma. Mas aí, ele me abraça e sorri.

Thursday, November 23, 2006

- Lara?

No último dia tive a melhor aula do ano todo. Senti saudade de todas as perguntas que não fiz, de todos os dias que faltei, de todos os minutos (horas, talvez) de silêncio em que passei conversando, de todas as canetas que não comprei, de todas as noites em claro estudando que troquei pelo filme que ate virou sessão da tarde. Senti vergonha porque o professor não sabia meu nome, nem eu seu telefone porque nunca liguei pra tirar uma duvida atrasada. Me senti pequena. Imensamente pequena (mesmo que soe contraditório). Tive uma aula de humanidade e não somente um falatório cansativo que os livros sozinhos podem me ensinar (e, talvez, bem melhor). Aprendi o quão compensadora é a sensação de advogar, quando alguém que mal nos conhece nos entrega a vida na expectativa de salvação (e nem sequer somos médicos). Aprendi que por mais que juizes e promotores se gabem com suas profissões, a historia brasileira foi construída (em parte, é claro), sim, por grandes advogados que tinham dentro de si o compromisso humanitário, o qual ninguém pode nos impor, tratando-se de construção pessoal que nenhuma faculdade no mundo é capaz de ensinar. Faz parte da grandeza de poucos e ausente na mesquinhez de outros tantos. Fiz cara feia antes de ir pra muitas aulas e hoje, pela primeira vez, tive vontade de pedir pra que ele ficasse um pouco mais (um pouquinho que fosse). E agora, mesmo sabendo que ele não levou nada de mim, tenho certeza de que deixou muito dele. Obrigada, professor (e me desculpe).

- Presente!

Thursday, November 16, 2006

Flêneur de toi

- Um adjetivo? Observadora. É, observadora. É pra desenvolver?
Observo o tempo todo, tudo, desde o movimento das nuvens à respiração. Gosto de ouvir a respiração. Ninguém disfarça a respiração. Comece a prestar atenção nisso. Gosto de observar o movimento (não me encanta alguém parado, por mais belo que seja). Me encanta o jeito de mexer o café ou de esticar o lençol. O jeito de caminhar ou de agradecer ao garçom. O jeito de assobiar, de cantarolar (mesmo que desafine). Por isso a beleza estática não me atrai. Gosto da beleza que dança, que balança. Observo a maneira delicada de piscar os olhos e até o jeito ríspido de xingar o juiz. É bonita a beleza “desengonçada” se ao tropeçar abrir-se um sorriso envergonhado. Por isso eu observo, pra encontrar a beleza no que passa despercebido. Observo mais o silêncio que as palavras. O silêncio mostra o quanto alguém me faz sentir a vontade, mostra se preciso procurar algo agradável pra preencher o vazio ou se posso só ficar quietinha e me sentir tão bem assim. É bonito o silêncio. Por isso eu observo, enquanto escuto o que só ele pode me contar.

Tuesday, November 07, 2006

Gabriel García Marquez

Sou apegada às coisas antigas, suficientemente velhas pra serem chamadas de antigas.
Ao sair da faculdade, um tanto perdida em meio a buzinas e paredes cinzas de concreto, encontrei um “sebo”, com um montão de livros usados. Entrei e os olhei como se todos me olhassem também (e tive vergonha de alguns, confesso). Talvez eu tenha ruborizado e ate disfarçado com um sorriso no canto dos lábios. Eles estavam lá, maduros, viajados, bem tratados, com tantas historias pra contar que nem me cabe arriscar. Vindos de longe, ou dali do outro lado da rua. Já haviam perdido a pureza de outrora, já tinham marcas do tempo. Quantas mãos de meninos, moços, senhores e senhoras curiosas já os haviam violado, talvez com delicadeza ou com a frieza de quem nada sente, de quem nada arrepia, por mera obrigação. Quantos sorrisos roubaram, quantos suspiros, quantas lagrimas, quanta saudade deixaram. Quantos sonhos criaram, quantas palavras ensinaram, quantas noites acordados debaixo da meia luz. E ali dentre eles, um escolheu-me e eu o trouxe comigo. Enquanto me aproximava da ultima pagina, uma melancolia me tomava inteira, pois sabia que logo ele saberia tudo de mim e eu dele. Logo ele já não me seria interessante, nem eu a ele. Então, findada a ultima frase, o deitei a meu lado pra que conhecesse o que ainda restava mostrar de mim: meus sonhos. Ele me contou uma estória tão triste e tão bonita. Tão pura e tão suja. Tão dele e tão minha.